Estética: introdução conceitual
Conceituação: no uso vulgar, em artes, em filosofia
Fazendo um levantamento do uso comum da palavra estética encontramos:
- Instituto de Estética e Cosmetologia, estética corporal, estética facial etc. Essas expressões dizem respeito à beleza física e abrangem desde um bom corte de cabelo e maquilagem bem-feita a cuidados mais intensos como ginástica, tratamentos à base de cremes, massagens, chegando, às vezes, à cirurgia plástica. Encontramos, ainda, expressões como: senso estético, arranjo de flores estético ou decoração estética. Nelas também está presente a relação com a beleza ou, pelo menos, com o agradável - mas aqui a palavra estética é usada como adjetivo, isto é, como qualidade.
Se continuarmos a procurar, saindo agora do uso comum e entrando no campo das artes [e design], encontraremos expressões como: estética renascentista, estética realista, estética socialista etc. Nesses casos, a palavra estética, usada como substantivo, designa um conjunto de características formais que a arte assume em determinado período e que poderia, também, ser chamado de estilo.
Resta, ainda, outro significado, mais específico, usado no campo da filosofia. Sob o nome estética enquadramos um ramo da filosofia que estuda racionalmente o belo e o sentimento que suscita nos homens.
Assim, tradicionalmente, mesmo em filosofia, a estética aparece ligada à noção de beleza. E é exatamente por causa dessa ligação que a arte vai ocupar um lugar privilegiado na reflexão estética, pois durante muito tempo, ela foi considerada como tendo por função primordial exprimir a beleza de modo sensível.
Etimologia da palavra
Etimologicamente, a palavra estética vem do grego aisthesis com o significado de "faculdade de sentir", "compreensão pelos sentidos", "percepção totalizante". A ligação da estética com a arte é ainda mais estreita se, se considera que o objeto artístico é aquele que se oferece ao sentimento e à percepção. Assim, podemos compreender que, enquanto disciplina filosófica, a estética tenha também se voltado para as teorias da criação e percepção artísticas.
O belo e o feio: a questão do gosto
Mas o que é a beleza? Será possível defini-la objetivamente ou será uma noção eminentemente subjetiva, isto é, que depende de cada um?
De Platão ao Classicismo, os filósofos tentaram fundamentar a objetividade da arte e da beleza. Para Platão a beleza é a única idéia que resplandece no mundo. Se, por um lado, ele reconhece o caráter sensível do belo, por outro continua a afirmar a sua essência ideal, objetiva. Somos, assim, obrigados a admitir a existência do "belo em si" independente das obras individuais que, na medida do possível, devem se aproximar desse ideal universal.
O Classicismo vai ainda mais longe, pois deduz regras para o fazer artístico a partir desse belo ideal, fundando a estética normativa. É o objeto que passa a ter qualidades que o tornam mais ou menos agradável, independente do sujeito que as percebe.
Do outro lado da polêmica, temos os filósofos empiristas, como David Hume, que relativizam a beleza ao gosto de cada um. Aquilo que depende do gosto e da opinião pessoal não pode ser discutido racionalmente, donde o ditado: "Gosto não se discute". O belo, portanto, não está mais no objeto, mas nas condições de recepção do sujeito.
Kant, numa tentativa de superação dessa dualidade objetividade-subjetividade, afirma que o belo é "aquilo que agrada universalmente, ainda que não se possa justificá-lo intelectualmente". Para ele, o objeto belo é uma ocasião de prazer, cuja causa reside no sujeito. O princípio do juízo estético, portanto, é o sentimento do sujeito e não o conceito do objeto. No entanto, há a possibilidade de universalização desse juízo subjetivo na medida em que a as condições subjetivas da faculdade de julgar são as mesmas em todos os homens. Belo, portanto, é uma qualidade que atribuímos aos objetos para exprimir um certo estado da nossa subjetividade. Sendo assim, não há uma idéia de belo nem pode haver regras para produzi-lo. Há objetos belos, modelos exemplares e inimitáveis.
Hegel, em seguida, introduz o conceito de história. A beleza muda de face e de aspecto através dos tempos. E essa mudança (devir), que se reflete na arte, depende mais da cultura e da visão de mundo vigentes do que de uma exigência interna do belo.
Hoje em dia, dentro de uma visão fenomenológica, consideramos o belo como uma qualidade de certos objetos singulares que nos são dados à percepção. Beleza é, também, a imanência total de um sentido ao sensível. O objeto é belo porque realiza o seu destino, é autêntico, é verdadeiramente segundo o seu modo de ser, isto é, é um objeto singular, sensível, que carrega um significado que só pode ser percebido na experiência estética. Não existe mais a idéia de um único valor estético a partir do qual julgamos todas as obras. Cada objeto singular estabelece seu próprio tipo de beleza.
O problema do feio está implícito nas colocações que são feitas sobre o belo. Por princípio, o feio não pode ser objeto da arte. No entanto, podemos distinguir, de imediato, dois modos de representação do feio: a representação do assunto "feio" e a forma de representação feia. No primeiro caso, embora o assunto "feio" tenha sido banido do território artístico durante séculos (pelo menos desde a Antigüidade grega até a época medieval), é no século XIX que ele vem a ser reabilitado. No momento em que a arte rompe com a idéia de ser "cópia do real" e passa a ser considerada criação autônoma que tem por função revelar as possibilidades do real, ela passa a ser avaliada de acordo com a autenticidade da sua proposta e com sua capacidade de falar ao sentimento. O problema do belo e do feio é deslocado do assunto para o modo de representação. E só haverá obras feias na medida em que forem mal feitas, isto é, que não corresponderem plenamente à sua proposta. Em outras palavras, quanto houver uma obra feia - neste último sentido -, não haverá uma obra de arte.
Antes de prosseguirmos adiante, queremos lembrar que o próprio conceito de gosto não deve ser encarado como uma preferência arbitrária e imperiosa da nossa subjetividade. A subjetividade assim entendida refere-se mais a si mesma do que ao mundo dentro do qual ela se forma, e esse tipo de julgamento estético decide o que nós preferimos em virtude do que somos. Nós passamos a ser a medida absoluta de tudo, e essa atitude só pode levar ao dogmatismo e ao preconceito.
A subjetividade em relação ao objeto estético precisa estar mais interessada em conhecer, entregando-se às particularidades de cada objeto, do que em preferir. Nesse sentido, ter gosto é ter capacidade de julgamento sem preconceitos. É a própria presença da obra de arte que forma o gosto: torna-nos disponíveis, reprime as particularidades da subjetividade, converte o particular em universal. A obra de arte "convida a subjetividade a se constituir como olhar puro, livre abertura para o objeto, e o conteúdo particular a se pôr a serviço da compreensão em lugar de ofuscá-la fazendo prevalecer as suas inclinações. À medida que o sujeito exerce a aptidão de se abrir, desenvolve a aptidão de compreender, de penetrar no mundo aberto pela obra. Gosto é, finalmente, comunicação com a obra para além de todo saber e de toda técnica. O poder de fazer justiça ao objeto estético é a via da universalidade do julgamento do gosto".
A recepção estética
Outro assunto que ainda precisamos abordar diz respeito à atitude estética que propicia a experiência estética em face de uma obra de arte (Não estamos fazendo nenhuma referência à experiência estética perante fenômenos da natureza, uma vez que, neste livro, o que realmente nos interessa discutir é arte.). Costuma-se dizer que a experiência estética, ou a experiência do belo, é gratuita, é desinteressada, ou seja, não visa um interesse prático imediato.
Só nesse sentido podemos entender a gratuidade dessa experiência e jamais como inutilidade, uma vez que ela responde a uma necessidade humana e social. A experiência estética não visa o conhecimento lógico, medido em termos de verdade; não visa a ação imediata e não pode ser julgada em termos de utilidade para determinado fim. A experiência estética é a experiência da presença tanto do objeto estético como do sujeito que o percebe.
A obra de arte, como já dissemos, pede uma recepção que lhe faça justiça, que se abra para ela, sem lhe impor normas externas. Essa recepção tem por finalidade o desvelamento constituinte do objeto, através de um sentimento que o acolhe e que lhe é solidário. A obra de arte espera que o público "jogue o seu jogo", isto é, entre no seu mundo, de acordo com as regras ditadas pela própria obra para que seus múltiplos sentidos possam aparecer.
O espectador, através do seu acolhimento, atualiza as possibilidades de significado da arte e testemunha o surgimento de algumas significações contidas na obra. Outros a verão, e outros significados surgirão. Todos igualmente verdadeiros.
Acesso em: 25/07/2010, às 15h30.
Extraído do livro didático: "Filosofando - Introdução à Filosofia", de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, Ed. Moderna, 1986, edição de 1989. Capítulo 37 - págs. 378 a 381.
Raíssa