quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Crítica Bárbara Heliodora

O despertar da primavera: Botelho e Möeller integram texto, ação e canções em musical que mostra evolução do gênero no país

Por Barbara Heliodora (O Globo)

Recusando o caminho do clone e confiando em tudo o que aprenderam no caminho já percorrido, Charles Möeller e Cláudio Botelho apresentam um belíssimo espetáculo de “O despertar da primavera”, enquanto que, ao transformar a obra de Wedekind em musical, Duncan Sheik e Steven Sater mostram que a única forma dramática criada nos Estados Unidos atingiu sua maioridade. Para os brasileiros, que só viram uma meia dúzia de exemplos da forma, o uso do musical para tema tão sério e forte quanto o de Wedekind pode ser uma surpresa, porém a forma já tem muitas décadas de vida, e desde o “Carousel”, de Rodgers e Hammerstein, em 1945, por exemplo, vem se aventurando como linguagem apta a enfrentar temas sérios. Nesse “Despertar”, a integração de ação, texto e música é total, com as canções substituindo parte do diálogo para fazer, efetivamente, caminhar a ação.

Para os que pensam no século XX como todo ele uma época de liberação sexual, é bom lembrar que Frank Wedekind escreveu sua peça em 1906, e que esta só foi apresentada pela primeira vez sem censura, na Inglaterra, em 1974. E, para os que julgarem talvez exagerado o número de problemas e conflitos apresentados, é bom lembrar que essa era a intenção de Wedekind.

Como se torna óbvio se pensarmos em termos de toda uma comunidade de alunos. A força do texto de Wedekind, a riqueza imaginativa dos jovens contrastada com a limitada e falsa rigidez de seus pais e professores foram muito bem exploradas por Sheik e Sater, assim como pela encenação carioca.

A encenação é primorosa: o espaço concebido por Rogério Falcão, que permite localização e movimentação do grande elenco com eventuais riquezas visuais, está belamente iluminado por Paulo César Medeiros. Com a única exceção do último figurino de Ilse, os figurinos de Marcelo Pies são também de primeira categoria, enquanto Marcelo Claret alcança grande equilíbrio em seu desenho do som. A coreografia de Alonso Barros encontra o tom do despertar de que fala a peça, misturando alegria e indisciplina na medida certa. A direção musical de Marcelo Castro é impecável, e toda a parte musical do espetáculo é da melhor qualidade, com a preparação vocal de Ester Elias tendo alcançado resultado surpreendente.

Conjunto fantástico enche o palco de força vital

A direção de Charles Möeller e a tradução e a supervisão de Cláudio Botelho estão no mesmo alto nível de seus melhores trabalhos, e merecem os dois maiores aplausos por não aceitarem a ideia de apenas clonar o espetáculo americano.

A atuação do elenco de jovens é surpreendente, e, como é justo que seja no “Despertar da primavera”, sua força conjunta derrota a força totalitária dos adultos competentemente interpretados por Carlos Gregório e Débora Olivieri.

Letícia Colin, Thiago Amaral, Laura Lobo, Felipe de Carolis, Julia Bernat, Estrela Blanco, André Loddi, Bruno Sigrist, Pedro Sol, Danilo Timm, Thiago Marinho, Davi Guilherme, Lua Blanco, Eline Porto, Alice Motta, Mariah Viamonte, em conjunto e individualmente, enchem o palco de força vital e formam um conjunto fantástico de interpretação, dança e canto. Nos papéis principais, Rodrigo Pandolfo apresenta um trabalho comovente como o infeliz Moritz, Malu Rodrigues transmite bem a angústia de sua descoberta, e Pierre Baitelli transmite bem a posição do líder rebelde que paga um alto preço por suas convicções.

Se o “Despertar da primavera” é a maioridade do musical americano, a montagem carioca é a prova da maturidade de nosso teatro, pois o espetáculo é tão bom quanto emocionante.

* Publicada originalmente no Jornal O Globo em 27/08/09.

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